Henry Rollins guarda a cidade de Santos com carinho dentro do seu supercílio

Público no festival de rock M2000 na praia de Santos, em fevereiro de 1994
Fotos: Carlos Marques/Arquivo

 
a história oral da Música em Santos guarda em uma de suas lendas contadas em volta de mesas de bar a ocasião do M2000 Festival, evento de música patrocinado pela marca de tênis. cerca de 120 mil pessoas ocuparam as areias da praia do Boqueirão em frente ao palco para ver shows de Raimundos, Chico Science & Nação Zumbi, Lemmonheads, Mr. Big, Débora Blando, entre vários outros artistas tão próximos como água e vinho.

foi o tipo de ocasião que marcou a população da cidade, sempre equilibrando-se entre a carência de programação cultural na época e o forte orgulho da própria terra. e as lendas se mantiveram pela tradição oral por muitos anos em seguida. uma das maiores, senão a maior delas, foi o momento em que Henry Rollins, ex-Black Flag, quase termina na primeira música o show do seu então grupo Rollins Band.

após alguns segundos desnorteado com o golpe de joelho que havia dado em si mesmo no rosto, o cantor seguiu com o show até o final cada vez mais coberto de sangue. meus amigos e eu, assim como boa parte das pessoas ali presentes, não conhecíamos nem gostávamos muito das músicas da banda – algumas poucas circulavam por conta do programa LADO B da MTV Brasil. mas o peso ali eram o que importava, e o sangue escorrendo pela cara de Rollins foi o suficiente para o misancene necessário para animar as pessoas que gritavam, pulavam ou brigavam [uma das lendas era sobre o “número recorde de brigas” na ocasião do festival].

nos anos que se seguiram os membros da comunidade musical da comunidade da região – fossem fãs, músicos, técnicos – espalharam entre si algumas versões da história. entre elas, as mais correntes era que o cantor havia dado uma joelhada em seu próprio nariz, que não parava de sangrar; outra – que parecia então muito coerente para várias pessoas – era de Rollins ter cheirado muita cocaína brasileira ruim nos bastidores, o que havia feito muitas veias de suas narinas se rasgarem / estourarem e o sangue jorrar.

o fato é que, segundo as palavras do próprio, a joelhada abriu seu supercílio e expôs o osso – que ele pôde sentir com o dedo. a foto sanguinolenta no final do post mostra o machucado bem acima do nariz citado na lenda. e tudo isso foi por Rollins aplicar sua energia masculina na vontade de mostrar como era um roqueiro fodão em país distante [num cenário lindo de praia sob a lua], em especial por recalque contra a fragilidade de um músico mais sensível como Evan Dando do Lemmonheads.

é isso que ele comenta nessa palestra / stand-up [de data indefinida], em que remonta com detalhes o show da banda em Santos, e é curioso ouvir como ele tentou entender o que estava acontecendo enquanto a banda tocava sem entender nada. tudo a propósito de comentar como nada deve parecer para o público dar errado num show – mesmo que eventualmente dê. Rollins se mostra arrependido sobre a maneira como percebia de forma estúpida caras como o Evan Dando na época, em um relato engraçado em que por vezes parece feito por Jim Carrey no corpo de um Arnold Schwarzenegger tentando se desconstruir.

esse é o depoimento da fonte original, mas a lenda da Rollins Band no M2000 em 1994 vai continuar por décadas sendo passada de pai para filho na Ilha de São Vicente.

Henry Rollins no festival de rock M2000 na praia de Santos, em fevereiro de 1994
Fotos: Carlos Marques/Arquivo

vídeo via Fabiano Geraldo

Originally published on HectorLima.com